Há historias que de tão incríveis deveriam ser obra de
ficção, e esta é uma delas. Um belo dia estava o Rei David, o maior rei judeu
de todos os tempos, no terraço de seu palácio quando foi arrebatado pela visão
de uma lindíssima mulher nua se lavando em uma casa vizinha, era Bate-Seba.
Então o rei chamou a mulher e a possuiu, mas ela era casada. E para encobrir
seu pecado David comete um crime grave, mandando o marido de Bate-Seba, Urias,
para a morte. Quando o profeta Natã veio avisar o Rei de que Deus sabia de seu
crime e que haveria gravíssimas consequências, foi que David se deu conta do
tamanho do erro que cometera, caindo em profunda tristeza e arrependimento.
Movido, menos pelo medo das consequências, mas pelo temor de
ficar longe da presença de Deus, ele, que já fora chamado de “homem segundo o
coração de Deus”, escreveu um dos mais belos salmos da Bíblia, o 50 da Bíblia
católica ou 51 da protestante, expressando todo sua tristeza e pesar pela
possibilidade de ficar distante da alegria de estar com Deus.
Pois bem, no século XIV de nossa era houve várias versões
musicadas desse Salmo, o Miserere mei deus. Então, na décima segunda tentativa, por volta de 1638, o
frade e compositor italiano Gregorio Allegri compôs uma versão à capela que
ficou tão bonita que o Papa Urbano VIII, impressionado com a beleza da música,
limitou sua reprodução apenas à Capela Sistina no Vaticano, e somente às
quartas e sexta-feira da Semana Santa. Quem ousasse entoar esse salmo fora do
local e data expresso no decreto papal corria sério risco de ser excomungado. O
objetivo desse secretismo, provavelmente, foi a tentativa do Papa de manter a
sensação de mistério e sacralidade em torno do Miserere mei deusde Allegri.
Somente três exemplares da música foi autorizado ser
reproduzido, um para um importante estudioso de música, outro para o Sacro
Imperador Romano e a última para o Rei de Portugal, que reclamou ao Papa pelo
fato da versão ter sido muito simplificada. Mas, cerca de 100 anos depois, um
garoto austríaco de 14 anos visitando Roma numa quarta-feira ouviu o Miserere mei deus no Vaticano e depois, em casa, transcreveu toda a
música de memória. Esse garoto teve que retornar na sexta-feira para ouvir
novamente e fazer algumas correções. O nome desse garoto era Wolfgang Amadeus
Mozart. Foi ai que a música começou a ser disseminada.
Porém, em 1831, o maestro e compositor alemão Felix Mendelssohn
resolveu fazer sua própria reprodução. Mas a versão que ouviu foi cantada um
quarto mais alta que a original, e Mendelssohn reproduziu esse erro com algumas
notas mais altas. Ocorre que 50 anos depois, em 1880, o “Grove’s Dictionary of Music and
Musicians” se baseou nos escritos de
Mendelssohn e, dado à popularidade desse dicionário de música, essa foi a
versão final e aceita do Miserere mei deus até os dias de hoje.